Pensando em visitar as ruínas da civilização Khmer no Camboja? Então prepare-se para enfrentar uma multidão de turistas!! Atualmente cerca de 2 milhões de pessoas visitam as ruínas do complexo de Angkor Wat todos os anos. E com uma taxa anual média de crescimento na casa dos 15%, a tendência é de que as coisas ficarem cada vez piores. Justamente pensando nisso, nesta minha segunda visita ao Camboja, além voltar aos lugares “obrigatórios”e lotados de turistas, tentei explorar também alguns outros sítios arqueológicos mais afastados na esperança de poder curtir os mesmos com mais tranquilidade. E dentre todos os “novos templos” que visitei, os de Koh Ker foram sem dúvida a melhor surpresa de todas.
Situada a cerca de 130 kilômetros ao norte de Siem Reap, Koh Ker é um complexo arqueológico de interesse cultural ainda muito pouco conhecido e que eventualmente poderá virar patrimônio mundial da humanidade. Construído entre 928 e 944 d.C durante o reinado do Rei Jayavarman IV, Koh Ker conta com dezenas edificações, em sua maioria templos dedicados ao Deus indiano Shiva.
Servindo como capital temporária do império Khmer por 13 anos entre 928 e 941d.C., Koh Ker foi eventualmente “abandonada” e “esquecida” por quase um mil anos. Neste período, permaneceu praticamente inalterada a não ser pela ação impiedosa do tempo até ser redescoberta no final da primeira metade do século passado.
A partir de então, foi seriamente vandalizado e grande parte de seu rico acervo de esculturas e trabalhos em alto relevo foi saqueado. Parte deste material hoje está recuperado e pode ser visto no Museu Nacional de Phnom Penh.
Já o restante “contrabandeado” na metade do século XX, foi parar na Europa. Estima-se que mais de 40% das obras e objetos do complexo de Koh Ker foram contrabandeados e revendidos no mercado negro de antiguidades. Boa parte deste acervo, hoje encontra-se sob a curadoria de museu Guimet na França, já o restante nas mãos de colecionadores privados de antiguidades espalhados pelo mundo.
Apesar de bastante destruídos e saqueados, quando comparados aos templos de Angkor, os quais já passaram por algum tipo de restauração desde que foram “re-descobertos”, os mais de 96 templos catalogados que formam Koh Ker, estão lá exatamente do jeito que a ação do tempo, do vandalismo e das guerras que testemunharam desde o colapso da civilização Khmer, os deixaram.
E mesmo não sendo tão grandiosos e impressionantes quanto Angkor Thom e Angkor Wat, a viagem de carro de quase 3 horas entre Siem Reap e Koh Ker é certamente recompensada por um sítio arqueológico impressionante e virtualmente ainda sem turistas \o/. Em outras palavras, uma grata surpresa para quem gosta de fotografia e que aos poucos começa a ser descoberta pelo mundo.
As ruinas da antiga cidade Khmer de Koh Ker estão espalhados numa área de aproximadamente 81km2 e apesar de na época em que foi construída, a cidade contar com centenas de templos, hoje apenas parte deles ainda apresentam algum tipo de vestígio. Alguns, nada mais são do que um amontoado de escombros, enquanto outros resistem de pé até hoje.
Quando visitamos Koh Ker vindo de Siem Reap, entramos no complexo arqueológico pela entrada Sul. O primeiro templo que geralmente se visita em Koh Ker é o Prasat Pram, ou o templo das cinco torres. Como o próprio nome sugere, ele é composto por cinco torres de alvenaria, sendo que duas delas são espetacularmente revestidas por raízes de uma espécie de figueira estranguladora. Esta espécie de árvore parasita se alimenta da seiva da árvore que ela se hospeda e, eventualmente, mata seu hospedeiro.
No caso destas árvores no Camboja, estas raízes podem tanto destroir as estruturas, quanto em alguns casos as conservarem servindo como uma espécie de andaime dando apoio à alvenaria das torres. Destruindo ou conservando, estas raízes dão um charme todo especial ao local.
Rumando ao norte, a próxima parada à direita é no Prasat Neang Khmau ou ” Black Lady Temple”. Um templo de apenas 1 única torre que tem uma coloração bastante peculiar. Embora tenha a aparência de queimado, o templo nunca pegou fogo e o aspecto dele é assim devido a pedra utilizada na sua construção (laterita) que por sua vez é rica em ferro, e devido à oxidação, tornou-se preta.
Você vai observar este fenômeno em alguns outros templos no complexo de Koh Ker, mas no Prasat Neang Khmau ele é muito notável. Nos outros templos geralmente apenas as ruínas do alto das torres tem este tom enegrecido. Isto provavelmente é causado pela ação da humidade do ar que é aspirado através da porta de entrada e afunila-se em direção à abertura no telhado aumentando o fluxo de ar e por sua vez acelerando a oxidação da laterita.
Seguindo um pouco adiante, encontramos as ruinas das torres triplas de Prasat Chin. Para aqueles que visitaram o Museu Nacional em Phnom Penh, a famosa estátua dos macacos em combate ficava originalmente aqui e hoje está preservada em Phnom Penh.
Adiante, finalmente chegamos ao Prasat Thom. Sem dúvida a área mais importante e impressionante de Koh Ker. Excepcionalmente, ao contrário de todos os principais templos da civilização Angkor, o tradicional fosso não cerca o templo principal, mas envolve o santuário pelo lado direito. As principais edificações do templo de Prasat Thom são construídas com tijolos com o uso de pedras de arenito adornando suas respectivas entradas.
No meio de Prasat Thom, encontramos a torre de tijolo vermelho de Prasat Krahom, que mesmo depois de 1000 anos e uma explosão de dinamite em seu interior está em condições quase perfeitas. Infelizmente saqueadores na década de 1970 roubaram as principais esculturas que ficavam em seu interior e ainda tentaram explodiram o restante das esculturas de seu interior com uma dinamite. Apesar do estouro, os tijolos foram mantidos coesos graças a argamassa primitiva feita à base de seiva de uma espécie de árvore encontrada na região.
Dentre as poucas coisas que os saqueadores não levaram, encontramos os restos quebrados de um boi sagrado, o qual foi remontado e está visível na entrada de uma das Gopuras do templo.
Para dizer a verdade é triste pensar que todas as escultura estavam em boas condições por mais de 1000 anos até que a década de 1970 a pilhagem desenfreada causou a destruição e remoção da maioria das grandes estátuas de Koh Ker.
Outro aspecto a se observar em Prasat Thom é o fato de as portas serem muito maiores que as dos Templos de Angkor.
Mas a cereja do bolo do passeio até Koh Ker, é o Prang. Construída em forma de uma enorme pirâmide em 7 níveis/terraços, o Prang de Prasat Thom é a maior ruína Khmer de Koh Ker. E ao contrário do que vemos no Camboja, em nada se parece com os outros templos e construções desta incrivel civilização que floresceu na península da indochina entre 802 e 1431 d.C.
Com uma altura total de aproximadamente 35-40 metros, esta enorme pirâmide em muito se assemelha com as construções dos povos pré-colombianos nas américas. O Prang de Prasat Thom foi construído para reverenciar Treypuvanesvara, o deus hindu da felicidade.
Desde 2013 é possível subir até o alto da pirâmide através de uns lances de escadas de madeira instaladas com este propósito. Apesar de ser uma subida cansativa com o calor escaldante que faz no Camboja, lá de cima se tem uma vista panorâmica fenomenal da floresta e dos campos de arroz que se extende desde as montanhas de Dangrek na divisa com a Tailândia ao norte do país. Até a cadeia de montanhas de Koulen a 70km ao sul.
Olhando isso tudo lá de cima, é incrível pensar que até 2013 o templo era praticamente inacessível até mesmo aos turistas mais intrépidos e até 2007 era totalmente encoberto pela vegetação e repletos de minas terrestres em seu entorno. Hoje, boa parte da vegetação que encobria o mesmo, foi removida para facilitar o acesso ao templo e também como forma de podermos comtemplar sua magnitude.
Seguindo adiante ainda visitei vários outros pequenos templos do complexo, meu favorito depois de Prasat Thom certamente foi o Prasat Damrei, o templo dos elefantes!!
Mas algo que me chamou a atenção foram os Lingas encontrados em vários destes pequenos templos que visitei nesse passeio. Segundo antigas escrituras em sânscrito, Koh Ker era também conhecida como Lingapura, ou cidade dos lingas. Escrevendo esse post descobri que Koh Ker tem algumas das maiores e mais impressionantes lingas da região.
Para quem não sabe, as Lingas são símbolos fálicos que eram uma parte importante da religião hindu. Como os budistas não aceitam a prática de adorar o linga, depois de conversão do Camboja ao budismo , a maior parte dos Lingas Hindus do país foram removidos. Como Koh Ker foi abandonado há muito tempo antes disso e ficava num lugar remoto de difícil acesso, quase todas as lingas permaneceram no local até hoje.
Na verdade, até muito recentemente o acesso à Koh Ker era extremamente complicado devido as condições precárias da estrada até lá. Isso sem dúvida ajudou a preservar Koh Ker no anonimato, mas felizmente (sob a perspectiva de um turista) desde a segunda metade de 2013 o trajeto é praticamente quase todo asfaltado até Koh Ker.
Obviamente isso veio com um preço. Logo logo, Koh Ker será uma atração super visitada e parte do seu encanto vai meio que desaparecer. O fato é que agora com o asfalto até quase na entrada do complexo de Koh Ker, se paga uma taxa de entrada de 15 USD por pessoa/por dia para visitar o templo e que pelo que entendi não vai para a conservação dos templos em sí e sim apenas para a empreiteira que construiu/pavimentou a estrada até lá.
Além da distância e precariedade de acesso, outra coisa que afugentou os turistas por muito tempo foi o fato de toda essa região ser dominada pelo Khmer Rouge durante anos. Neste período nefasto da história do Camboja, o Khmer Rouge se escondeu na região e não só aterrorizou qualquer pessoa contrária a sua ideologia, como espalhou milhares de minas terrestres pela região. Fato que definitivamente impediu que os turistas chegassem até lá até muito recentemente.
Veja os comentários
Oscar, você levou um drone para a viagem????!!!
O video, e as fotos ficaram incríveis!
Oi Mari
Sim eu levei e em Koh Ker foi o único lugar que pude "teoricamente" voar...
Minha intenção era fazer algumas imagens aéreas de Angkor Wat e outros templos em Siem Reap. Assim que comentei com meu guia que pretendia fazer algumas tomadas de imagens aéreas, ele falou que eu precisaria de uma autorização da Apsara Authority para fazer imagens aéreas.. Até ai tudo bem, peguei e fui em direção ao escritório da tal autoridade que fica a uns 15 km de Siem Reap, esperei quase meia hora para ser atendido e quando falei o que gostaria de fazer. Eles me disseram que precisaria ter feito uma solicitação por escrito com pelo menos 3 semanas de antecedência e que o custo para cada dia de filmagem seria 500 USD e que eles teriam que ficar com uma cópia do material filmado.. Ok.. já fiquei sem grandes esperanças..
Ai, tentei explicar que além de não usar as imagens para outros motivos a não ser a promoção do próprio destino, ele ainda falou que em caráter de emergência a tal licença poderia sair em 2 dias, só que ai a brincadeira custaria 1000USD/dia... Fala sério!!!!
Obviamente falei Obrigado, uma pena não poder promover o destino como eu gostaria, mas sai super chateado por não poder voar o drone no local.. Ai meu guia falou que já tinha visto outras pessoas usando drone pela manhã bem cedo quando o pessoal da segurança ainda não está trabalhando.. Ai fiz 1 vôo sobre Bayon, só que as imagens ficaram meia boca porque a todo momento parecia que alguém ia me abordar.. Aí descobri que em Koh Ker, apesar de ser administrado por eles, teria mais chances de fazer um sobrevôo.. Ai não tive dúvidas de ir lá fazer umas tomadas aéreas..
Fico feliz que você curtiu o video e as fotos
Bjs
Ficou o máximo! Parabens!
:D
Fan-tás-ti-co! Li esse post antes de ir para Siem Reap, o que pesou bastante na minha decisão de ir a Koh Ker, e agora o reli e me senti lá novamente. Parabéns (e obrigada!) pela riqueza de informações, pelas fotos e pelo vídeo!
Que legal Helen!!!
Acho que Koh Ker é um passeio que vale super à pena para quem tem pelo menos 3 dias em Siem Reap.. Indo ao Camboja você tem que visitar templos como Ta Prohm, Bayon e Angkor Wat, mas Koh Ker ainda preserva uma atmosfera mais real e por hora ainda pouco explorada pelo turismo de massas.. Você chegou a ir ao Beng Maelea?
Obrigado pelo visita e pelo comentário :D
Sim, em um dia visitei Koh Ker e Beng Mealea, e concordo contigo de que a atmosfera lá é diferente dos templos mais conhecidos.
Vale muito o investimento de fazer essas visitas com guia: fui com um guia cambojano que fala português, Alex o nome dele, e recomendo muuuito, ele é sensacional. Posso passar o contato para quem quiser.
Abraço e boas viagens!
Passa o contato dele aqui.. Quem encontra esse post aqui pode precisar :D
Abraços e obrigado pela visita
Como disse ali em cima, o nome dele é Alex, e o e-mail é info.experiencianocamboja@gmail.com . Ele tem também um blog: http://guide7languages.blogspot.com.br/ .
Legal!!! Obrigado :D
Oi Oscar,
Da primeira vez que fui ao Camboja fiz os passeios "obrigatórios" durante 3 dias. Fiquei tão apaixonada que tive que voltar para apreciar tudo com mais calma e conhecer os templos mais afastados. Ko Ker é realmente fantástico e merece muito ser visitado. No dia em que nós fomos, só vimos um outro casal francês nas imediações. Pudemos olhar tudo com tranquilidade, sem aquela multidão que invade Siem Reap.
Estava procurando mais coisas sobre o Camboja [para uma outra visita, quem sabe?] e me deparei com seu post. Ele está muito bem feito, parabéns... me transportei de volta para aquele lugar maravilhoso por alguns minutos...
Que legal Maira!! Eu também fiquei tão apaixonado que já fui 3 x ao Camboja e estou considerando ir de novo. Angkor e as outras ruínas nos arredores de Siem Reap são maravilhosas. No entanto, muitas vezes a quantidade excessiva de turistas faz com que a magia do lugar se perca. Koh Ker foi o lugar mais tranquilo que visitei por lá e por um momento me senti um explorador em busca de tesouros perdidos.
Obrigado pela visita e pelos elogios.. Sempre é muito bacana receber um feedback assim como o seu.
Abs